CIDADES SEM NOME
Fernanda Câncio

Qualquer coisa de abandono nas ruas, nos montes de terra esquecidos, nas obras de há muitos ou poucos anos, nas quintas que fazem fronteira à espera de loteamento, na paragem de autocarro onde alguém se resigna há quarenta minutos, no ar quieto, dormente. Qualquer coisa de melancólico nos comércios, na boutique das novidades, no minimercado que vende de tudo, no infantário de janelas mickey. Qualquer coisa de desespero na distância daqui para fora. Qualquer coisa de nada na estrada que aqui passa a três ou quatro setas de uma cril ou uma crel, a duas ou três paragens de autocarro de uma estação de comboios, a uma ou duas horas dos empregos, dos escritórios, das escolas, das fábricas, dos cinemas, dos bares, das lojas, dos museus, dos hipermercados. Do mundo?
(...) Esses espaços que só se definem na sua distância a um qualquer centro existirão mesmo? E que centro será esse? Por fim, ou por princípio, como identificar o que não tem identidade, aquilo que faz identidade de não a ter?
(...)
Talvez sejamos todos suburbanos. Mas uns, como no ditado orweliano, são mais que os outros.